quarta-feira, 25 de março de 2015

Entrevista: Fritz d'Orey

Nascido Frederico José Carlos Themudo d’Orey, em 25 de março de 1938, Fritz d'Orey, como é mais conhecido, teve uma carreira de muito destaque nas provas que disputou no Brasil, entre elas o Campeonato Brasileiro de Automobilismo e os 500 Quilômetros de Interlagos, não só pela pouca idade, mas pelos resultados alcançados.

Naturalmente, seu nome começou a chamar a atenção não só de pilotos brasileiros, mas também entre os estrangeiros que vinham correr no Brasil. Um deles foi Juan Manuel Fangio, responsável por lhe abrir as portas para uma carreira internacional, encerrada em 1960, após um acidente nas 24 Horas de Le Mans que lhe deixou oito meses internado em um hospital.

Em maio de 2002, ainda alimentando a ideia de um dia ter um blog sobre Fórmula 1, criei coragem, consultei a lista telefônica e entrei em contato com o Fritz, pedindo um pouco do seu tempo para que ele me concedesse uma entrevista, no que fui prontamente atendido. A ideia seria publicá-la no Forix, o maior site de estatísticas sobre automobilismo existente hoje. Com a data agendada, um sábado, lá fui eu encontrá-lo em sua belíssima cobertura na Avenida Atlântica, em Copacabana, onde ele morava na época (Fritz hoje vive em Portugal).

Foram noventa minutos de conversa, em que ele lembrou de momentos marcantes de sua curta carreira - período em que teve a oportunidade de disputar três provas na Fórmula-1, nos anos 50 - e também dos grandes pilotos e muitos amigos que fez naquela época.

Durante a entrevista, ele já dizia algo que vem sendo recorrente nos dias de hoje: que o automobilismo contemporâneo era puro negócio e em nada se parecia com a época vivida por ele, quando as corridas eram disputadas apenas pelo prazer de correr. O dinheiro era apenas uma conseqüência do que um piloto era capaz de fazer nas pistas. "Eles eram seres humanos e os carros eram vistos de perto pelas pessoas. Não é como acontece hoje".

Como surgiu seu interesse pelo automobilismo?

Desde criança, sempre gostei muito de automóveis. Nessa época, eu ia sempre a Interlagos, aos sábados. Todo mundo ia para lá naquele tempo. A pista era aberta e todo mundo levava seus carros de passeio. Disputei minha primeira corrida aos 17 anos, com um Jaguar XK, mas tive uma carreira curta, de apenas cinco anos, pois aos 22 sofri um grande acidente em Le Mans, que acabou me tirando das pistas.

Sua família o apoiava naquela época?

De jeito nenhum! Antigamente, as corridas eram um perigo mortal. Todo fim de semana alguém morria em Interlagos e não havia nenhuma segurança, nada de guard-rails.

Ou seja, o que movia vocês era a pura paixão pelo esporte.

Sim, porque correr de automóvel era e ainda é uma sensação muito gostosa. Nem é a competição em si, mas o prazer de acelerar um carro de corridas.

O que significava correr pela Ferrari naquela época, sendo você tão jovem em relação aos outros pilotos? E como ocorreu sua contratação pela equipe?

Na Fórmula-1, corri pela Maserati, a convite do Juan Manuel Fangio. Foi ele quem me levou para correr na Europa, pela Scuderia Centro Sud. A British Petrolium estava patrocinando e o Fangio ia levar um brasileiro, um uruguaio e um argentino para lá. O uruguaio era o Asdrúbal Fontes Bayardo, mas não me recordo do nome do argentino. Dos três, o único que correu na Formula-1 fui eu. Os outros ficaram só nos testes. Antes disso, eu estava acostumado a correr com uma Ferrari 51, a mesma que o Chico Landi ganhou do presidente Getúlio Vargas para correr. Disputei algumas provas com ela e então a Ferrari me chamou para assinar um contrato. Na Fórmula 1, eu já tinha disputado os GPs da França, da Inglaterra e dos Estados Unidos, mas depois de ter assinado com a Ferrari, corri também nas 12 Horas de Sebring e nas 24 Horas de Le Mans, onde tive o acidente que acabou com a minha carreira.

As contratações eram muito diferentes da maneira como são feitas hoje? Eram para uma temporada inteira ou somente algumas provas, dependendo do piloto?

Naquela época, ninguém ganhava muito dinheiro. Havia corridas em todos os lugares, de todas as categorias, e os pilotos não ganhavam salário das fábricas, e sim prêmios de largada. Os organizadores davam uma determinada quantia de dinheiro, dependendo do prestígio do piloto, e a gente vivia com isso, que só dava para pagar o hotel, a alimentação e as viagens.

Mas e os campeões?

Mesmo um campeão não ganhava tanto como agora. Era só o prazer de correr que nos levava a continuar nessa vida. Dava para se sustentar sem precisar passar fome. Naquele tempo, os pilotos eram apenas seres humanos, os carros eram vistos de perto pelas pessoas. Não é como acontece hoje. A liberdade que tínhamos antes era total.

Já havia assédio dos fãs naquela época?

Ah, isso tinha! Antigamente, nós éramos vistos como heróis. Hoje, os pilotos são todos muito protegidos, com guarda-costas, essas coisas. Muita coisa mudou de lá para cá, mas já naquela época os pilotos tinham muitos fãs atrás deles.

E como era o perfil de um chefe de equipe nos anos 50?

Não era uma coisa profissional como agora. Ele era apenas o dono dos carros e nunca dava ordens para um piloto andar mais rápido do que o companheiro de equipe. Cada um andava o mais depressa que podia. Se cometesse algum erro, corria o risco de não disputar a corrida seguinte. Para se ter uma idéia de como as coisas eram feitas naquele tempo, o chefe de equipe chegava e dizia a um piloto: "Vai haver um Grande Prêmio em tal lugar. Você quer ir lá e correr para mim?" Então a gente perguntava de quanto era o prêmio de largada. Dependendo da grana, a gente ia lá disputar e recebia um adiantamento para bancar as despesas da viagem. Não havia contrato, era tudo um acordo entre amigos.

Dos pilotos que você conheceu na Europa, quem era o mais antipático e quem era o mais amigo?

Meu maior amigo era o Wolfgang von Trips, com quem eu morava junto, na Itália. Infelizmente, ele morreu em 1961, naquele acidente em Monza, onde também morreram alguns torcedores. Os mais antipáticos, na minha opinião, eram os ingleses. O Stirling Moss, por exemplo, era uma pessoa muito desagradável, um convencido, que se achava o máximo. Já os italianos eram extremamente simpáticos. O Luigi Musso era um deles. Morreu em 1958, mas cheguei a conhecê-lo. O Eugenio Castellotti também. Hoje, na Fórmula-1 atual, infelizmente os pilotos mal se falam.

Havia brigas internas entre dois pilotos de uma mesma equipe como acontece agora?

De forma alguma. Primeiro, porque todo mundo era mais amigo um do outro. E a coisa era tão perigosa que todos se ajudavam e ninguém ousava se arriscar ao extremo, porque sabia que, se fizesse isso, corria o risco de morrer e ainda levar alguém junto. Nos bastidores, nunca vi uma briga, porque a maior parte deles era formada por verdadeiros gentlemen, pessoas muito agradáveis e extremamente gentis. Isso porque muitos deles vinham de famílias bem-educadas, representavam a elite europeia, com raríssimas exceções.

 Em 1997, ao lado do Ferrari F355 Challenge
No Brasil, houve muita repercussão na imprensa pelo fato de você ter sido um jovem correndo no meio de tantas feras do automobilismo, mais velhas e mais experientes, como Ciro Cayres e Camilo Christófaro?

Sem dúvida. A coisa chegou a tal ponto que houve uma época em que eu saía em capas de jornais o tempo todo.

Por causa disso, chegou a ser alimentada algum tipo de rivalidade entre você e algum desses pilotos, como a que vimos, por exemplo, entre Ayrton Senna e Nelson Piquet nos anos 80?

Não, não havia. E sobre essa questão entre o Senna e Piquet, a coisa toda estava no caráter de cada um deles. O Piquet era um cara superinvejoso e o Senna já pertencia a uma época mais moderna, movida a milhões e milhões de dólares. O Piquet estava atento a isso. Quando o Senna surgiu, isso apagou um pouco o brilho dele. Na minha época, as dificuldades faziam com que fosse mais difícil acontecer esse tipo de coisa. Os carros não eram iguais, a mecânica era bem diferenciada e você corria cada fim de semana com carros diferentes, em categorias diferentes. Era tudo muito difícil, porque a direção era muito pesada. Eu pilotei um Fórmula-1 em 1972 e senti uma diferença enorme, com tudo macio.

E que carro foi esse?

Foi a Lotus 72 do Emerson Fittipaldi.

E seu acidente em Le Mans? Como aconteceu?

Foi no meio da reta. Meu carro saiu da pista e bateu em uma árvore, completamente de lado. O carro partiu-se ao meio e eu fiquei jogado no meio da pista. Por conta disso, passei oito meses internado no hospital e minha carreira acabou ali.

E o que você fez quando deixou o hospital?

Voltei para o Brasil e vim trabalhar nas empresas do meu pai, uma construtora e uma revendedora de automóveis. Fiquei trabalhando nisso até ele morrer, eu fechar as empresas e me aposentar.

Você nunca mais teve contato com o automobilismo depois disso, profissionalmente falando?

Eu me afastei totalmente das corridas após o acidente. Passei a assistir somente pela TV.

Quais são os pilotos que você mais admirou e como você os compara com os de hoje?

Admirei muito o Emerson Fittipaldi, o primeiro grande piloto brasileiro e precursor de tudo. Ele foi o máximo para mim. Costumo dizer que automobilismo é uma serie de coincidências. Veja o exemplo do Rubens Barrichello, que anda muito, mas nunca teve a sorte de estar na hora certa, no lugar certo, ter o melhor carro. É exatamente o oposto do que aconteceu com o Senna. E eu fico tentando descobrir se o Senna andava mais que o Barrichello. Eu acho que não. Para mim, isso tudo está relacionado às coincidências, enquanto as pessoas chamam de sorte.

Para você, qual é a pista mais desafiadora e o melhor carro?

Sem dúvida alguma, Nürburgring, porque essa era uma pista ameaçadora mesmo. Para correr em uma pista daquelas, com aqueles carros, com pneus fininhos e tão pouca estabilidade, você tinha que ser muito macho. Quanto ao carro, o melhor que conduzi, na minha opinião, foi uma Ferrari, em treinos particulares.

5 comentários :

  1. Pelo desenrolar da entrevista, fiquei com a impressão de que o Fritz é um cara super simático, não?!

    ADORO essas histórias dos primeiros anos da F1. A década de 50' me fascina mais do que qualquer outra... Belo material, Alexandre!

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  2. Jaime, o Fritz foi muito gentil em me receber na casa dele para conceder a entrevista. Falou com muito entusiasmo da época em que ficou conhecido por causa das corridas, principalmente aqui no Brasil, onde ele foi citado várias vezes nos jornais daquela época.

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  3. Parabéns pelo resgate histórico da entrevista e, principalmente, do personagem/piloto. Além do Chico Landi; Gino Bianco, Hernando da Silva Ramos e Fritz fizeram, bem antes de Fittipaldi, "aventuras" na F1. Muito obrigado por essa oportunidade de ler esse belo artigo. Só uma curiosidade: Ele chegou a mencionar sobre o carro (equipe?) Tec-Mec que só ele pilotou nos EU, em 1959? Abraços e mais uma vez, parabéns pelo resgate.

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  4. Oi, Ricardo. Ele não chegou a falar especificamente do carro, mas sim da carreira dele, de modo geral. Tudo o que ele me contou está na entrevista, da forma como você leu. Eu gostaria de ter feito outras perguntas, mas como estava na casa dele e era uma manhã de sábado, não queria incomodá-lo, pois já tinha se passado uma hora e meia de conversa. Na época, também faltou jogo de cintura de minha parte (eu ainda era estudante de Jornalismo, sem muita experiência nessas coisas, embora já tivesse entrevistado o Piquet três anos antes). Obrigado pelo comentário e apareça sempre por aqui, ok? :-)

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  5. entrevista fantástica, como os tempos eram diferente dos atuais, a espontaneidade dele ao falar sem firulas me faz pensar como atualmente por conta até de restrições contratuais os pilotos se afastaram do mundo para viver numa redoma

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