Outros, são lembrados por momentos dramáticos, como o italiano Siegfried Stohr, que em 1981 entrou em desespero diante das câmeras, após perceber que tinha atropelado um mecânico de sua própria equipe, a Arrows, na largada do GP da Bélgica. E o que dizer de Eddie Irvine, que estreou arrepiando no Japão, em 1993, dando um chega pra lá em Ayrton Senna, com direito a um soco do tricampeão logo após a corrida?
Pois com Bertrand Jean Louis Gachot foi exatamente assim. Depois de passar maus bocados na Onyx, na Rial e na Coloni em seus primeiros anos na Fórmula 1, ele tinha tudo para ver sua carreira engrenar ao assinar com a Jordan, em 1991. Quis o destino que as coisas não fossem assim quando, na metade daquela temporada, uma briga de trânsito o levou à prisão e, sem querer, o transformou em co-responsável pela estreia antecipada de Michael Schumacher na categoria. Posteriormente, Gachot ainda tentaria a sorte em mais três equipes, todas muito fracas: Larrousse, Venturi e Pacific.
De Schumacher, não há mais nada a dizer. A história está aí para mostrar. Quanto a Gachot, nascido em 23 de dezembro de 1962, vocês verão a seguir um depoimento sincero sobre sua vida, sua carreira, os dias na prisão e tudo o que ele aprendeu durante esse período, nesta entrevista exclusiva que ele me concedeu em novembro de 2010, e que volto a publicar nesta nova fase do Almanaque da Fórmula 1.
Afastado das pistas desde 1997, Gachot virou homem de negócios e dedica-se hoje ao comando de sua empresa, a Hype Energy, uma das principais marcas de bebidas energéticas da Europa. Nas horas vagas, prefere levar a vida em um ritmo mais lento do que quando era piloto, velejando e aproveitando os momentos de lazer com a esposa, Amanda, e os filhos Louis (15 anos), Grace (14) e Lucia (10).
Creio que você seja o único piloto com tripla nacionalidade na história da Fórmula 1. Começou representando Luxemburgo, onde nasceu, passou a usar a cidadania belga e, por último, correu como francês. Por quê?
Embora eu tenha nacionalidade francesa, nasci em Luxemburgo, sendo filho de mãe alemã e pai francês. E estudei na Bélgica. Para mim, a nacionalidade não é importante, é apenas um documento. Jamais vou apoiar uma equipe ou um esportista apenas por ter a mesma nacionalidade que a minha, mas respeito casos expecionais, como acontece em relação ao Ayrton.
Como surgiu seu interesse pelo automobilismo?
Pelo que eu me lembro, sempre gostei do esporte a motor e meu sonho sempre foi pilotar carros. Ninguém na minha família era envolvido com carros ou qualquer outro esporte. Então, certamente fui a ovelha negra.
Na Onyx, a estreia na Fórmula 1: sonho que virou realidade em 1989 / © Hans van Onsem (Autosport.be) |
Em 1977, quando você começou a correr de kart, quem eram seus herois daquela época?
Eu não tinha muito conhecimento sobre a Fórmula 1 até então. Só tinha visto uma corrida, vencida pelo Emerson. Eu amava a velocidade e a potência desses carros, mas não tinha certeza se possuía as mesmas habilidades daqueles pilotos. Sabia que tinha coragem para correr, mas daí a me tornar um piloto profissional e chegar à Fórmula 1 não passava de um sonho.
Como seus pais reagiram quando souberam você tinha abandonado a universidade para correr na Fórmula Ford 1600, em 1984?
Eles ficaram muito preocupados e tentaram de tudo para que eu parasse de correr. Para citar como exemplo, eles iam me dar um belo carro esportivo só para que eu continuasse estudando e largasse as corridas. Mas eu nunca iria aceitar e eles sabiam disso.
Jean-Pierre van Rossem |
O Van Rossem, que era quem comandava a equipe na época, simplesmente ficou sem dinheiro. O Keke Rosberg já era empresário de pilotos e tinha prometido uma boa grana ao Van Rossem, caso ele desse um carro ao J.J. Lehto. Daí, ele tratou de arrumar um jeito de o Lehto guiar o carro. E eu tinha concordado em deixar a equipe sem dizer nada, pois receberia metade dessa grana. Com ela, eu poderia correr pela Arrows, o que era muito mais emocionante do que continuar na Onyx. Mas os problemas começaram quando o Rosberg deu o calote na equipe.
Em 1991, quando você foi preso em Londres, a imprensa divulgou o caso apenas como o resultado de uma briga de trânsito, sem entrar em detalhes. O que aconteceu exatamente naquele dia entre você e o Eric Court? Por que você usou gás lacrimogêneo nele?
Eu estava junto com o Eddie Jordan, indo para uma reunião com a diretoria da Pepsi. No caminho, tive esse esse incidente com o motorista de táxi. Ele saiu do carro dizendo que ia me matar e me segurou pela gravata. Eu não queria briga, mas usei o gás para me defender. O resto é a história que todos nós já conhecemos.
Meses depois, tive que ir ao tribunal, onde o juiz entendeu que eu exagerei ao me defender e me condenou à prisão, aplicando uma pena que nunca tinha sido dada antes a alguém por uso de gás lacrimogêneo. Ninguém podia acreditar naquela sentença, mas tive que ficar dois meses preso até virem com um recurso para me soltar. Depois disso, tive um encontro com o embaixador da Inglaterra, que me pediu desculpas, em nome do povo britânico, por essa piada em forma de justiça. E estando livre, fui disputar a corrida seguinte, na Austrália.
O que passou pela sua cabeça quando você ouviu a sentença e percebeu que iria para a cadeia, incluindo um período na Penitenciária de Brixton, considerada uma das mais severas da Inglaterra?
Eu não tinha a menor ideia do que isso significava, tanto que já tinha agendado um teste em Ímola para depois da audiência. Antes disso, tinha pedido o conselho de três advogados, que me disseram que o máximo que eu pegaria seria uma pena menor, mas que eu poderia ser multado pelo uso do gás, que era proibido na Inglaterra. Mas na prisão, a primeira noite foi muito emocionante. Eu tinha a certeza de que no dia seguinte estaria solto.
Bertrand Gachot a bordo da Jordan 191, no GP de Mônaco de 1991 |
Como sua família e seus amigos reagiram à má notícia?
Eles foram fantásticos. Meu pai assumiu o controle e por isso sou grato por tudo o que ele fez. Os embaixadores da França e da Inglaterra também foram fantásticos. Todos os meus amigos se mobilizaram para me ajudar. Também recebi cerca de dez mil cartas durante meu tempo na prisão, o que me deu uma força tremenda.
Em uma entrevista que você concedeu ao jornalista Joe Saward, em 1991, você disse ter descoberto coisas que nunca acreditou serem possíveis em uma prisão. Como foram seus dias lá?
A prisão era um mundo sobre o qual eu não tinha a menor ideia. Foi uma experiência muito interessante, sob o ponto de vista humano, e encontrei pessoas muito boas lá. Nem todas eram más, mas eu vi coisas lá muito tristes, em que as pessoas perderam sua liberdade e dignidade por causa de situações sobre as quais não tiveram nenhum controle aqui fora. Passei todo esse tempo lendo e aprendendo com as experiências delas. Às vezes, era fascinante. Eu poderia ficar aqui contando essas histórias até de manhã, sobre tudo o que aprendi. E minha conclusão sobre esta aventura é que a prisão não é a solução.
Na Jordan, você teve seu melhor momento na Fórmula 1 e, de repente, tudo acabou. Em algum momento você chegou a pensar que sua carreira tinha chegado ao fim?
Sim, foi uma pena. Naquele ano, eu só tinha vencido as 24 Horas de Le Mans e o carro da Jordan estava indo muito bem. Eu tinha feito a volta mais rápida na Hungria, pouco antes de ser preso, e tinha a certeza de que poderia ter feito a pole em Spa-Francorchamps.
O que você aprendeu de toda essa situação?
Aprendi muito sobre a vida, de modo geral, sobre a injustiça e a felicidade. E decidi que, enquanto minha família estivesse bem e eu estivesse livre, eu seria feliz todos os dias.
Em 1997, você assinou um contrato com a Hype Energy para distribuir seus produtos na França e, três anos depois, tornou-se o dono da empresa. O que o levou a abandonar as corridas para concentrar sua carreira nesse trabalho, digamos, mais tradicional?
Vejo minha vida em etapas. A primeira foi na época dos estudos, com a escola e a universidade. A segunda foi com as corridas. E a terceira é agora, com minha vida de executivo. Adoro desenvolver a marca Hype. É muito interessante e eu me divirto. Atualmente, vendemos nossos produtos em 40 países, mas estamos diversificando para outros negócios além das bebidas. Para mim, ir para o escritório é emocionante e nunca uma chateação.
Quem são seus amigos na Fórmula 1, entre pilotos, chefes de equipe ou mecânicos?
Tenho muitos amigos na Fórmula 1 e seria difícil citar todos aqui. Tudo o que posso dizer é que, quando vou a um Grande Prêmio, adoro encontrar todos eles, com quem tive bons momentos.
Na sua opinião, qual foi o melhor momento de sua carreira?
Vencer na Fórmula Ford 1600 e na F-Ford 2000. Me senti forte e muito abençoado. Na Fórmula 1, depois de alguns anos andando lá atrás, foi difícil eu me sentir assim novamente. Então, tentei curtir o fato de estar pilotando aqueles carros e procurei tirar o máximo do meu equipamento. Muitas vezes, corri contra mim mesmo. Mas em Le Mans também tive uma grande experiência. Meus companheiros de equipe, Johnny Herbert e Volker Weidler, eram muito bons e fizemos uma ótima corrida. A Mazda, da qual fazíamos parte, chegou a pedir para que fizéssemos tempos que, na verdade, eles nunca esperavam que a gente fosse conseguir.
Um dos grandes momentos da carreira: a vitória nas 24 Horas de Le Mans, em 1991, a bordo do Mazda 787B |
Do que você sente mais falta de sua vida como piloto?
Da emoção em pilotar esses carros, as amizades e as negociações que envolvem a Fórmula 1, que hoje têm ocorrido cada vez mais rápido.
Para encerrar, uma curiosidade: por que os pilotos nunca cantam o hino de seus países quando sobem ao pódio?
Porque, assim como eu, provavelmente eles também não sabem (risos).