quarta-feira, 11 de março de 2015

Ayrton Senna e a imagem distorcida do mito

Passados quase 21 anos, não é difícil imaginar por que Ayrton Senna continua sendo lembrado como um dos grandes gênios da Fórmula 1. E não há nada de errado nisso, afinal, quem o viu nas pistas sabe muito bem que não há nada mais justo do que tratá-lo dessa forma.

Mas desde o trágico acidente no GP de San Marino, em 1994, não há como ser indiferente à maneira com a qual sua imagem é vista hoje no Brasil: a de alguém maior do que o esporte que praticou durante toda a vida, de um piloto temido por todos, mas ao mesmo tempo injustiçado, à prova de falhas e incapaz de cometer qualquer atitude condenável no âmbito esportivo e fora dele. Imagem esta alimentada há duas décadas pela imprensa e por sua própria família, que sempre fez questão de controlar tudo que esteja vinculado a seu nome - e não há problema algum nisso -, mas dessa forma mantendo a imagem distorcida do mito.

O exemplo mais recente dessa distorção pode ser visto na campanha lançada esta semana pela Allianz Seguros, em parceria com o Instituto Ayrton Senna, com o objetivo de homenagear o tricampeão vinculando-o a algo ou alguém superior à imagem de um piloto bem-sucedido. A frase usada pela Allianz no vídeo abaixo, inclusive, referindo-se a Senna como o homem maior que o piloto, já dá um indício do estrago.

O vídeo mostra a famosa cena do socorro ao piloto francês Érik Comas nos treinos livres do GP da Bélgica, em 1992, com uma dimensão tão exagerada aos fatos que beira o absurdo, como se ele estivesse à beira da morte e que algo pior não aconteceu porque Senna apareceu no momento certo.


No texto de divulgação, além de pedirem às pessoas para que relatem nas redes sociais, por meio da hashtag #meumomentosenna, fatos pessoais ou profissionais em que se sentiram Ayrton, ou seja, verdadeiros campeões (confesso que me dá enjoo quando leio essas coisas), há uma informação incorreta: Comas não corria pela Renault - que não existia como equipe em 1992 - e sim pela Ligier.

Quem realmente acompanhou a carreira de Ayrton, admirando o esporte em si e mantendo o olhar crítico, sabe que a realidade foi bem diferente. Senna foi um gênio das pistas, sim, mas capaz de cometer erros como qualquer outro piloto que queira se sobressair em um ambiente tão hostil como a Fórmula 1. E isso inclui alguns desvios de conduta, como a "vingança" contra Alain Prost, no GP do Japão de 1990. Por mais tenha sido sacaneado na temporada anterior, nada justificava o que fez contra Prost no ano seguinte.

Senna foi um dos pilotos mais talentosos que o mundo já viu. Ele não apenas provocou profundas mudanças no automobilismo, a ponto de se tornar referência para outros jovens pilotos, mas também foi um dos nomes mais marcantes que a categoria já teve em seus quase 65 anos de história. Enfim, era alguém cuja carreira valia a pena acompanhar, mas cuja imagem insistem em levar a um patamar totalmente fora da realidade, transformando-o em uma espécie de Evita Perón das pistas. Melhor fariam se deixassem o cara descansar em paz.

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