domingo, 5 de março de 2017

Tom Pryce e a tragédia de Kyalami

Nos anos 70, quando a Fórmula-1 começou a atingir altos índices de audiência nas transmissões de TV em todo o mundo, havia uma espécie de imposto macabro a ser pago a cada temporada. A explicação é simples: naqueles tempos, pelo menos um ou dois pilotos, em média, perdiam a vida tragicamente nas pistas. E foi graças a essa estranha combinação entre o perigo e a negligência com a segurança que o galês Tom Pryce, infelizmente, passou a fazer parte dessa triste estatística.

Nascido a 11 de junho de 1949, em Ruthin, no País de Gales, Thomas Maldwyn Pryce era o segundo filho do casal Jack, um ex-membro da Força Aérea Real Britânica, e Gwyneth, enfermeira. Seu interesse pelo automobilismo surgiu ainda na infância, aos 10 anos, quando dirigiu sozinho uma pequena van de propriedade da família. Ciente de que o futuro do filho estava nas corridas, sua mãe ainda tentou convencê-lo a estudar mecânica de tratores, como um plano B, caso sua trajetória nas pistas não tivesse sucesso.

Pryce iniciou a carreira no automobilismo em 1970, ao vencer o Daily Express Crusader Championship, a bordo de um Lotus 51 usado pela Formula-Ford. A partir daí, passou a disputar corridas em diversas categorias, como a Fórmula Super V, a Fórmula 3 e a Fórmula Atlantic, sendo campeão em 1971 na Fórmula F100. Ao apostar suas fichas na Fórmula 2, obteve um dos melhores resultados de sua carreira até então, terminando a etapa de Norisring, na Alemanha, em segundo lugar, depois de ter liderado boa parte da prova, vencida por Tim Schenken, seu companheiro de equipe na Motul Rondel Racing, de propriedade de um ainda desconhecido Ron Dennis.

A carreira na Fórmula 1

Tom Pryce, a bordo do UOP Shadow DN5

Em 1974, Pryce realiza fez sua estréia na Fórmula 1 pela novata Token, no GP da Bélgica, em Spa Francorchamps, abandonando a prova depois de 66 voltas, após uma colisão com o sul-africano Jody Scheckter. Nesse mesmo ano, assina com a Shadow, estreando pela equipe no GP da Holanda, em Zandvoort, mas um acidente com o alemão Hans-Joachim Stuck o levou a abandonar a prova na primeira volta. O primeiro ponto na categoria veio no GP da Alemanha, ao terminar em sexto. No final do campeonato, terminou em 18º na classificação geral, empatado com Vittorio Brambilla e Graham Hill.

Em 1975, obteve sua única vitória na categoria, durante a Corrida dos Campeões, que não contava pontos para o campeonato. Pryce ainda obteve bons desempenhos nessa temporada, largando na primeira fila na Inglaterra e em Mônaco, além de conquistar seu primeiro pódio, terminando em terceiro no GP da Áustria. Na Alemanha, terminou em quarto, quase sem combustível, que começou a vazar nas últimas voltas. Foi o suficiente para conquistar o Troféu Rouge et Blanc, premiação concedida aos pilotos mais combativos na pista. Encerrou a temporada com oito pontos, na décima colocação.

No ano seguinte, terminou em terceiro no GP do Brasil, obtendo ainda resultados razoáveis na Alemanha e na Holanda. Mas as alterações no regulamento, que exigiam das equipes mudanças radicais em seus carros, fizeram com que a Shadow perdesse muito de sua competitividade ao longo daquele ano.

O fim repentino

Em 1977, os resultados da Shadow não foram o que Pryce esperava. Na Argentina, largou em nono e abandonou na 45ª volta, com problemas no câmbio. No Brasil, largou em 12º e abandonou novamente, na 34ª volta, com uma falha no motor. Na África do Sul, foi o mais rápido nos treinos em pista molhada, onde sempre obtinha melhor desempenho. Já em pista seca, a realidade veio à tona e ele se vê obrigado contentar-se com o 15º lugar no grid. Na largada, cai para o último lugar, mas em 20 voltas já era o 13º colocado.

Duas voltas depois, seu companheiro de equipe, Renzo Zorzi (falecido em 2015), para no acostamento da reta principal com um princípio de incêndio. Imediatamente, dois bombeiros voluntários atravessam a pista para ajudar o piloto italiano, misturando rapidez no atendimento e imprudência no instinto de cumprir a tarefa para a qual haviam sido escalados. Um deles era Frederick Jansen van Vuuren, de apenas 19 anos, que trabalhava como emissor de passagens no Aeroporto Internacional de Joannesburgo. Vale lembrar que ambos atravessaram a pista sem permissão dos fiscais de prova.

A essa altura, Stuck, Pryce, Jacques Laffite e Gunnar Nilsson já se aproximavam do local do acidente. Ao passar pela lombada da longa reta de Kyalami, Stuck conseguiu desviar a tempo de Vuuren, mas Pryce, que vinha logo atrás, não teve a mesma sorte e, sem reação, atropelou o rapaz.



O que se viu a partir daí foi uma das cenas mais trágicas já transmitidas durante uma corrida. Com o impacto, o extintor de Van Vuuren acertou em cheio a cabeça de Pryce, arrancando-lhe o capacete e matando-o na hora. A força do impacto foi suficiente para lançar o extintor até o estacionamento localizado atrás da arquibancada principal do circuito.

Sepultura de Tom PryceO carro de Pryce ainda seguiu pela reta completamente desgovernado até atingir a Ligier de Laffite, na entrada da curva Crowthorne. O piloto francês não teve nenhum ferimento, mas sofreu o horror de ver o colega morto e desfigurado dentro do cockpit. Quanto a Van Vuuren, seu corpo foi mutilado de tal forma que o reconhecimento só foi feito depois da corrida, por exclusão.

Esse era um dos preços a serem pagos pela junção da imprudência com o amadorismo que reinava na Fórmula 1 dos anos 70. Após o acidente, a viúva de Pryce, Nella, travou uma batalha de três anos até conseguir dos administradores do circuito de Kyalami uma indenização por terem contratado um amador para trabalhar como bombeiro.

Anos depois de sua morte, Pryce receberia diversas homenagens, como o lançamento do The Tom Pryce Award, concedido anualmente a qualquer cidadão galês que tenha contribuído de forma significativa para o automobilismo e o setor de transporte do país. Outras homenagens locais vieram em seguida, como foi o caso do Circuito Anglesey, que teve uma de suas retas batizada com o nome do piloto.

Em 2006, foi criado um fundo para ajudar na criação de um memorial em homenagem a Pryce, em sua cidade natal. A iniciativa partiu do sul-africano Eddie Knipe, após obter a autorização de Nella e dos pais do piloto. O memorial foi inaugurado em 11 de junho de 2009, em comemoração pelos 60 anos de Pryce, com uma placa esculpida com sua imagem, criada pelo artista local Neil Dalrymple.

Tom Pryce Memorial, inaugurado em 2009, em Ruthin, em homenagem pelos 60 anos do piloto

O corpo de Pryce está enterrado na cidade de Otford, na Igreja de São Bartolomeu, a mesma onde ele e Nella haviam se casado dois anos antes do fatídico acidente, quando o automobilismo mundial perdeu um de seus mais promissores pilotos, que aos poucos conquistou o respeito de todos que acompanharam sua trajetória nas pistas. Jack, seu pai, morreu em 2007, apenas dois dias depois do 30º aniversário da morte de seu filho. Gwyneth faleceu em 17 de outubro de 2009, aos 83 anos.