quinta-feira, 23 de abril de 2015

Entrevista: Wilson Fittipaldi Jr.

 © 2011 - Duda Bairros / FGCom
Desde os 14 anos, a velocidade faz parte da vida de Wilsinho Fittipaldi. Foi nessa época que, incentivado pelo pai - o saudoso Barão (1920 - 2013) -, ele disputou suas primeiras provas no kart, onde foi campeão paulista e brasileiro. E foi exatamente do Tigrão, como também é conhecido, a vitória da primeira corrida de kart disputada no Brasil, em uma pista improvisada no Jardim Marajoara, bairro nobre da capital paulista.

Em 1962, para ganhar mais experiência, passou a correr com automóveis, tornando-se então um dos mais respeitados pilotos da década de 60. Foi nesse período que Wilsinho montou seu primeiro negócio: uma fábrica de karts, dando origem ao que é hoje a Kart Mini.

Os anos se passaram e Wilsinho tornou-se um dos pilotos mais respeitados do Brasil, competindo em diversas categorias. A partir daí, a exemplo do irmão mais novo, Emerson, o próximo passo foi a Europa, onde disputou a Fórmula 3 e a Fórmula 2. E em 1972, chega à Fórmula 1, onde competiu durante três temporadas, disputando 35 Grandes Prêmios e somando um total de três pontos, tendo como melhor resultado um quinto lugar no GP da Alemanha de 1973, em Nürburgring.

Mas sua história na principal categoria do automobilismo mundial não parou aí. Foi nela que, para o espanto de muita gente, Wilsinho pôs em prática - junto com o irmão - aquele que seria seu maior sonho: ter sua própria equipe de Fórmula 1, com um carro inteiramente construído no Brasil. Uma ideia que, anos depois, passou a ter o reconhecimento e a compreensão que lhe faltaram na época.

Para conhecer um pouco mais sobre essa e outras histórias, tive um longo bate-papo com o Wilsinho há poucos dias, por telefone. E o resultado está nesta entrevista exclusiva que você poderá conferir agora.

Na Fórmula 1, você passou quase toda a primeira metade dos anos 70 correndo. A partir de 1975, você corria e também chefiava a Copersucar. Em 1976, largou as pistas e passou a ser apenas o chefe da equipe. Com esse histórico, você se definiria mais como piloto ou como construtor?

Eu tive duas fases na minha vida, mas me considero mais um construtor.

Nos anos 60, você já era um piloto muito respeitado e muito reconhecido no Brasil. Ao mesmo tempo, o Emerson estava começando no automobilismo. Anos depois, a situação se inverteu. Vocês já estavam na Fórmula 1 e, em pouco tempo, o Emerson passou a ter um reconhecimento muito maior, principalmente aqui no Brasil. Em algum momento te bateu um sentimento de frustração por não ter tido o mesmo sucesso que ele teve na Fórmula 1?

 Em 1972, a estreia na Fórmula 1, em Jarama, na Espanha
Isso é algo que nunca me ocorreu. Ficou uma coisa bem resolvida para mim. Eu jamais iria parar de correr, por exemplo, porque ele era bicampeão do mundo e eu não. Isso nunca me passou pela cabeça. O Emerson era bicampeão? Ótimo, mas eu seguia e fazia minha vida esportiva. Nunca me ocorreu esse tipo de pensamento, de ficar frustrado.

Na época, havia muita comparação entre vocês, certo?

Sim, bastante.

E internamente, na família, chegou a ocorrer algum conflito por causa disso? Porque você é três anos mais velho do que o Emerson, começou a correr antes dele e, de repente, o irmão mais novo estava superando a experiência do mais velho.

Isso nunca houve. Eu era o irmão mais velho, sim, mas foi o Emerson quem partiu para a Europa primeiro. Quando cheguei lá, ele já tinha um ano de experiência. Mas nunca tivemos problemas quanto a isso.

Na Fórmula 1, um dos momentos mais marcantes da sua carreira foi no GP de Mônaco de 1973, quando você largou em nono e, na segunda metade da prova, já estava em terceiro, atrás do Emerson. Seria o primeiro pódio com dois brasileiros e ainda por cima irmãos. De repente, você abandonou, a cinco voltas para o final. Qual foi tua reação naquela hora? Você consegue lembrar de todos os detalhes?

Em Mônaco, o abandono repentino e um pódio perdido
Me lembro bem. Naquele momento, o Jackie Stewart estava ganhando a corrida. Eu estava a um segundo e pouco atrás do Emerson e, atrás de mim, vinha o Ronnie Peterson. Quando faltavam cinco voltas, eu sabia que descontar essa distância um do outro seria muito difícil. E então mantive meu ritmo, controlando o pé, sem me preocupar em alcançar o Emerson. Infelizmente, aconteceu aquele imprevisto. Acabou o combustível no carro e eu tive que parar. Seria uma coisa sensacional. Para nós, seria um super Grande Prêmio, pois teria dois irmãos no pódio. Infelizmente, aconteceu daquela forma. Sempre tive facilidade para andar em Mônaco, porque é uma pista de rua, e desde as minhas primeiras corridas no Brasil, eu corria muito na rua. Então, me dei muito bem, pois peguei uma experiência grande nisso. Quando fui correr em Mônaco, ainda na Fórmula 3, fiz a pole position. Na Fórmula 1, este seria realmente um dia muito especial para nós se o carro não tivesse parado.

Você xingou muito naquela hora?

Naquele momento, parecia que tinha caído o mundo na minha cabeça. É um negócio impressionante. Quando o motor deu a primeira falha, eu senti que era algo relacionado ao combustível. Me deu um arrepio na espinha que eu pensei: Não pode ser! É mentira que vai acontecer um problema desses! E naquela época, nós tínhamos o recurso da bomba reserva de gasolina. Então, liguei a bomba, andei mais um pouco e aí o carro parou, porque o problema era realmente falta de combustível.

Em que parte da pista isso aconteceu?

A primeira falha aconteceu quando saí do túnel. O motor cortou um pouquinho e senti que alguma coisa tinha acontecido. Mas como depois do túnel vinha a chicane, me preocupei mais em contorná-la do que procurar saber o que tinha ocorrido no carro. Para mim, naquele momento, eu tinha tido apenas uma impressão. Depois veio a reta e estava tudo bem, mas na primeira perna ao redor da piscina, o motor cortou de novo. Foi aí que eu vi que era um problema de falta de combustível.

Você considera esta sua principal lacuna na Fórmula 1 ou você acha que o que aconteceu anos depois, na época da Copersucar, foi superior a isso?

São situações diferentes. Como piloto, sim, esse episódio de Mônaco foi o mais marcante. E você sabe como são as coisas na Fórmula 1. Tendo resultado, as coisas começam a mudar a seu favor. Se não tiver resultado, tudo começa a ficar mais difícil.

Com tantos abandonos, o que pesava mais na sua época da Brabham? Era o corpo técnico da equipe ou muito do que acontecia era resultado do modelo de gestão do Bernie Ecclestone?

Era mais o carro, porque logo que o Bernie assumiu a equipe, a gente tinha três modelos disponíveis. E todos eles andando. Então, acho que houve uma confusão técnica, se posso dizer assim, sobre qual carro a gente deveria desenvolver. Como ficamos com três modelos na mão, eles tinham desempenhos diferentes para cada tipo de pista, e perdemos um tempo tentando resolver isso durante o ano. Mas depois o Bernie contratou o Gordon Murray, que ainda não era um projetista conhecido, mas já era um superprojetista. Aí ele apareceu, surgiu a Brabham BT-42 e todo o esforço técnico foi feito no desenvolvimento daquele carro. E foi a partir daí que a Brabham começou a crescer.

Como é que vocês lidavam com a proximidade da morte? Somente na sua época na Fórmula 1, vocês perderam, para citar apenas alguns nomes, o Roger Williamson, o François Cevert, o Helmuth Köinigg, o Mark Donohue e o Ronnie Peterson. Quando acontecia algum acidente fatal, havia espaço para o medo ou isso anestesiava vocês de tal maneira que só assim conseguiam voltar à pista?

A gente procurava minimizar o problema da melhor forma possível, embora não seja fácil minimizar algo assim, vendo um companheiro seu morto. O número de mortes naquela época era realmente muito grande, mas a gente procurava limpar a cabeça e enfrentar aquilo como se fosse uma guerra, por incrível que pareça. Você perdia um companheiro em combate, mas não tinha perdido a guerra, e continuava a lutar dentro de suas possibilidades, tentando tirar aquela imagem da cabeça.

Entre todas essas perdas, qual delas mais te marcou?

Foi nos Estados Unidos, em 1973. Eu acordei no hotel e, quando desci para tomar café, o Cevert já estava na mesa. Aí ele me chamou, fui lá sentar com ele e tomamos café juntos. Quando estávamos indo para a pista, ele ainda falou assim: Deixa o carro aí e vamos com um só. Depois voltamos juntos. E então ficamos conversando mais um pouco e pegamos o carro dele. Na pista, já estávamos na metade do primeiro treino, se eu não estiver enganado, quando vi que alguém tinha batido. Mas eu não sabia quem era, pois o carro tinha desaparecido atrás do guard-rail. Era a parte mais perigosa da pista, com dois "esses" de alta velocidade.

O acidente fatal nos treinos do GP dos EUA, em Watkins Glen, que tirou a vida do promissor François Cevert

Imediatamente, deram bandeira vermelha e fui para os boxes. Aí meu chefe de equipe me disse que tinha acontecido um grande acidente. Perguntei quem tinha sido e ele respondeu que era o Cevert. Quis saber se ele estava bem. Meu chefe me olhou e disse: Não. Ele está morto. Mas ele disse isso de um jeito... como se estivesse falando da morte de uma mosca. Aí falei que precisava respirar um pouco. Eu não acreditava que o cara com quem eu estava tomando café meia hora antes e tinha ido até a pista junto comigo não existia mais.

Esse acidente me chocou demais. Aqueles anos na Fórmula 1 foram os piores que a categoria teve em termos de acidentes. E acontecia algo interessante. Na maioria das batidas, os carros se dividiam em dois e quebravam que nem um biscoito, na altura do painel. Nunca se descobriu o porquê. Todo mundo via que isso acontecia, colocava reforço, mas o carro sempre partia na altura do painel e nunca se soube o motivo. Isso até a descoberta da fibra de carbono, que salvou centenas de pilotos.

O que te inspirou a ter a ideia de construir seu próprio carro de Fórmula 1? A história do Jack Brabham teve alguma participação nisso?

Não, não teve. Nem a história do Enzo Ferrari ou do Colin Chapman. Isso veio de algo que eu e o Emerson já vínhamos conversando, mas bem devagar. Nossa intenção sempre foi ficarmos para sempre na Fórmula 1. Não como piloto, obviamente, mas queríamos continuar como construtores. E a ideia foi crescendo. Já tínhamos construído alguns carros aqui no Brasil, bem antes da Fórmula 1, mas a ideia de ter uma equipe na categoria estava sempre sendo alimentada.

Vocês já conversavam sobre isso antes mesmo de irem para a Europa?

Exatamente. A gente conversava sobre essa possibilidade nessa época.

Antes de a Copersucar se tornar realidade, você já tinha comentado, em algumas entrevistas, sobre a dificuldade de se montar um carro de Fórmula 1 no Brasil. E no final, decidiu fazer tudo aqui. O que te levou a isso?

Nós montamos a equipe aqui, mas logo vimos que a logística de tudo isso não era fácil, porque a gente estava na América do Sul e tudo acontecia na parte Norte do hemisfério. E tendo de encarar oito ou dez horas de avião, passando por alfândega. Depois que começamos, sentimos que a logística estava atrapalhando um pouco. Naquela época, a gente fazia muito teste de túnel de vento. E o único que existia no mundo, para automobilismo, ficava no Imperial College, em Londres. Então, mandávamos nossos carros para testar lá. E aí as coisas começaram a ficar complicadas, inclusive para os projetistas. Nós corríamos na Europa e os carros eram montados no Brasil. Para o projetista, ficou difícil participar das corridas e, ao mesmo tempo, tendo que acompanhar a construção dos carros. Era tudo muito longe. O projetista tinha que vir até o Brasil para acompanhar um pouco, depois tinha que voltar para a Europa, por causa das corridas, e começamos a ver a dificuldade. Nessa época, o Roger Penske também teve o mesmo problema. Ele começou a equipe dele de Fórmula 1 nos Estados Unidos e depois teve que partir para a Europa.

Quando o sonho começou a se tornar a se realidade, você sentiu alguma resistência por parte das outras equipes?

Não houve nada. Ninguém foi contra o projeto.

Na estreia do FD-01, batida e incêndio no GP da Argentina
Em 1975, no dia da estreia, na Argentina, você ainda era piloto. E então teve o acidente e o carro pegou fogo. Chegou a passar pela tua cabeça algum pensamento do tipo "isso aqui não vai ser nada fácil"?

Desde o começo, a gente sabia que a Fórmula 1 era dificílima, por ser a categoria mais competitiva no mundo. Então, o acidente não foi "aquele" acontecimento. Tanto que, no Brasil, o cenário já tinha mudado bastante. Na Argentina, larguei em 23º e abandonei. No Brasil, larguei em 21º e cheguei em 13º. Mas a gente já sabia que a competição na Fórmula 1 não seria uma brincadeira. Estávamos prontos para enfrentar aquele desafio.

Fazendo um comparativo entre o FD-01 e os carros que você pilotou na Brabham, qual deles você acha que tinha o melhor desempenho, a melhor tocada na pista?

O melhor foi a Brabham BT-42.

Com a falta de resultados, vieram as piadas, tanto por parte do público quanto por parte da imprensa e de alguns programas humorísticos na TV, como O Planeta dos Homens, na Globo. O que mais te irritava quando isso acontecia?

O pior era o que vinha da imprensa. Vendo por esse aspecto, acho que começamos dez anos antes do que seria o ideal. Naquela época, os jornalistas especializados em automobilismo eram poucos. Lembro de três ou quatro, no máximo. Com o passar dos anos, e a Fórmula 1 entrando pra valer no Brasil, esse número aumentou. Obviamente, você vai para a Fórmula 1 buscando resultados, mas você sabe que isso só vem com o tempo, com o carro sendo desenvolvido. Mas se começam a falar mal de um carro ainda novo, dizendo que andou pouco, tudo indica que a coisa não vai dar certo. Já havia uma pressão muito grande da imprensa contra o projeto. Quando você chegava em segundo, era apenas um bom resultado. Hoje em dia, é considerado algo fantástico. Naquela época, se você chegasse em quarto ou quinto, era visto como um desastre. Hoje, se você termina nessa posição, as pessoas aqui no Brasil dizem que o piloto fez uma ótima corrida. Isso aconteceu porque valorizaram a Fórmula 1 e viram que obter resultados é muito difícil.

Estar na Fórmula 1 é um projeto de longo prazo, no qual você tem que batalhar muito para fazer aquilo dar certo. Naquele momento, as pessoas estavam acostumadas com os bons resultados do Emerson. Por incrível que pareça, acho até que, indiretamente, isso pode ter atrapalhado nosso projeto. Ele já era bicampeão e as pessoas questionavam e perguntavam por que com o nosso carro ele não conseguia resultado. Ninguém tinha consciência do quanto era difícil a Fórmula 1. Recentemente, tivemos o Grande Prêmio da China e o Felipe Massa chegou em quinto. Foi um resultado ótimo para ele e eu sei disso. Mas, naquela época, o cara ou ganhava ou não valia nada. Hoje em dia, se valoriza esse resultado porque se sabe a dificuldade que é estar na Fórmula 1.

De certa forma, você acha que tudo isso acabou influenciando a retirada de cena da Copersucar como patrocinadora, anos mais tarde?

Sim. Isso nos criou uma dificuldade enorme com o patrocínio. Várias empresas brasileiras que, provavelmente, teriam interesse em ficar conosco, de repente não queriam mais, porque não queriam ver seus nomes associados a um carro que era alvo de tantas piadas em seu país de origem. E ainda assim, teve um campeonato em que nós terminamos à frente da McLaren e da Ferrari e mais outra equipe.

Em 1976, você "pendurou o capacete", com a chegada do teu irmão para assumir um dos cockpits. Como foi essa transição de piloto para chefe de equipe? Você conseguiu lidar com isso numa boa ou foi uma decisão muito difícil?

Foi difícil naquele momento, mas eu estava muito entusiasmado com essa mudança, porque tínhamos que tocar o projeto para a frente. Dessa forma, eu teria a facilidade de fazer isso fulltime, sem a preocupação de estar dentro do carro. Deixar de pilotar na Fórmula 1 era difícil, porque eu estava em uma posição na qual me sentia bem e me achava competitivo. Foi um momento difícil, mas depois fui me habituando à minha nova posição.

De toda a história da equipe, na sua opinião, qual foi o melhor projeto e o qual foi o pior?

O melhor foi o F5A. Foi com ele que a gente chegou em segundo lugar, no Rio de Janeiro, em 1978. O pior foi o F6, do Ralph Bellamy. O F6 foi um carro totalmente revolucionário na Fórmula 1, todo construído em honeycomb, com material aeronáutico. Foi o primeiro chassi no mundo que não era rebitado e sim colado, com placa de alumínio colada uma na outra. Isso nos deu um vantagem de peso magnífica.
Foi um projeto muito avançado para a época, mas ele não tinha a rigidez suficiente para aguentar as molas que a gente usava. O carro se retorcia todo e perdia estabilidade, o que foi uma pena.

O projeto era espetacular, mas o Ralph não estava na equipe para fazer aquilo. Naquela época, havia muito esse vai-e-vem de projetistas de uma equipe para a outra. Era um modo de você, indiretamente, conseguir chegar até os segredos dos outros. E o Ralph tinha sido contratado porque, no ano anterior, o Mario Andretti tinha sido campeão com a Lotus 79 e o Ralph tinha feito parte daquele projeto.

Eu deixei bem claro para ele e falei: Ralph, estou te contratando porque eu quero que você faça para mim uma Lotus amarela. Isso é para a gente andar bem, ter tempo de respirar, e só depois vamos pensar em projetos especiais. Mas temos que andar bem constantemente. E ele: Pode ficar tranquilo. Mas ele apertou tanto que eu acabei aceitando a decisão de construir aquele carro revolucionário. Infelizmente, eu estava certo quando disse para ele que queria uma Lotus amarela.

Em 1979, vocês compraram a estrutura da Wolf, aumentando a folha de pagamento. Você acha que foi uma decisão acertada na época, levando em consideração que sua equipe ainda não estava no nível que todo mundo esperava, tendo de arcar com todos os custos envolvidos nessa operação?

Acho que sim, porque já estávamos em um ponto em que precisávamos ter um carro equilibrado para conseguir bons resultados. Estávamos chegando entre os seis ou sete primeiros, com uma certa frequência. Sob esse aspecto, acho que foi uma decisão correta, mesmo sabendo que tinha um custo. Na compra, vieram os três carros deles e mais cinco motores Cosworth. A Cosworth tinha tanta procura na Fórmula 1, com tanta gente comprando seus motores, que estava difícil conseguir um. E com a compra da Wolf, nós teríamos mais cinco motores, nos dando um total de 16, o que era um número justo para a temporada. Na época, a gente tinha dois carros correndo, com dois motores de reserva, somando quatro no total. Tínhamos também dois carros de testes, somando mais quatro motores e dando um total de oito. Geralmente, tínhamos mais quatro ou cinco motores sendo revisionados. Era uma logística meio complicada, mas a compra da Wolf facilitou as coisas por causa desses cinco motores a mais.

Em 1981, já sem a verba da Copersucar, a equipe se chamava Fittipaldi e vocês tinham o patrocínio da Skol. Mas veio a Brahma, que acabou comprando a empresa e decidiu não continuar a investir na equipe. Vocês tinham direito ao cumprimento do contrato, do que tinha sido acordado com a Skol. Por que decidiram não levar as coisas adiante, correndo atrás dos seus direitos?

Porque fizemos um acordo com eles que era favorável para nós naquele momento, em que não teríamos mais a marca Skol estampada no carro e eles antecipavam uma parte do pagamento estipulado no contrato. Era vantajoso para nós. E com isso a gente partiu em busca de outro patrocinador.

Chico Serra e o F8D no GP da Holanda de 82, em Zandvoort
Na reta final da equipe, em que momento você passou a ter a certeza de que o sonho ia desmoronar?

Foi em 1982, no último ano. Eu tinha voltado ao Brasil para tentar mais patrocinadores e o Emerson ficou na Europa para cuidar da equipe. Quando chegou junho ou julho, vi que seria impossível continuar e não havia outra coisa a fazer a não ser parar com tudo no fim da temporada.

Avaliando hoje, você diria que houve algum erro cometido pela equipe, sob o aspecto técnico ou gerencial?

Eu não diria que foi erro nosso, mas houve aquela ansiedade de ter uma tecnologia nova. Acho que a equipe começou a pegar o caminho ruim quando aceitamos a construção do projeto do Bellamy. Acho que ali foi o divisor de águas. Quando o carro foi para a pista, a expectativa era gigantesca, por causa do alto desenvolvimento tecnológico. A partir daí é que eu acho que as coisas começaram a caminhar para um lado negativo.

Nessa época, quando o patrocínio ainda era da Copersucar, como ficou a relação com eles? Havia uma pressão muito grande, escancarada, ou isso acontecia de uma maneira mais sutil?

Pressão tinha sempre, mas o Jorge Wolney Atalla era um grande incentivador nosso. Ele dizia: Vai e toca pra frente. As coisas são difíceis no começo, mas depois tudo se acerta. Tínhamos pressões enormes e tínhamos que saber trabalhar com aquilo. A coisa só piorou mesmo depois do projeto do Bellamy.

Sob o ponto de vista financeiro, a equipe não ia bem. Mesmo assim, o que te movia a continuar com o projeto, mesmo sem enxergar uma luz no fim do túnel, no curto ou médio prazos?

Era aquela vontade de construir um carro e vê-lo entre os mais rápidos do mundo. Era a paixão, pois você se apega a isso. E a resposta seria a mesma se você fizesse essa pergunta ao Frank Williams hoje. Depois de ter sido campeão do mundo, ele passou vários anos sem resultado algum. Por que ele não parou? Foi a paixão. E agora ele voltou com dois carros competitivos. É um negócio que tem dentro de você, onde você luta e quer ver resultado. Você vai tocando as coisas pra frente dessa forma.

Em 1982, a situação piorou e vocês fecharam as portas, tendo que se desfazer de boa parte dos seus bens para pagar as dívidas. Isso afetou sua família de alguma maneira, a ponto de acharem que não sairiam daquela situação?

Nós sabíamos que o problema era enorme, mas também sabíamos que tínhamos que mudar as coisas e mudamos. Aceitamos o que tinha acontecido naquele momento. Era o momento de respirar fundo e tocar a vida pra frente que as coisas iriam acontecer de forma positiva.

De quanto foi a dívida na época?

Nós estávamos com um déficit de 1 milhão e meio de dólares. Mas não ficamos em dívida com nenhuma empresa. Foi tudo pago.

E como conseguiram dar a volta por cima?

Nós tínhamos uma fazenda em Araraquara, onde plantávamos laranjas. E aí teve uma fase boa de venda de laranjas, o que tornava a fazenda rentável. Também fazíamos muitos contratos de uso da nossa imagem, que sempre foi ótima no Brasil. E assim foi, até levantarmos tudo de novo.

Nessa época, você tinha voltado a correr de Stock Car. Isso também te ajudou um bocado nessa fase, certo?

Sim, eu tinha minha verba na categoria, com um patrocinador, e dali eu tinha meu ganho. Na época, tive uma empresa de seguros de saúde chamada Amico me patrocinando por um ano. Depois, fiquei dois anos com a Phillip Morris, usando a marca Marlboro.

Essa fase mais complicada chegou a prejudicar o início do Christian no kart ou deu para levar numa boa?

Deu para levar numa boa, porque o custo do kart era infinitamente menor. Os problemas financeiros da nossa equipe não abalaram a carreira do Christian. Daí, fui procurar patrocinadores para o Christian, que nunca tinham sido patrocinadores nossos. O primeiro foi a Valvoline, durante dois ou três anos. Foi muito bom. E todo o dinheiro que a gente arrecadava ia apenas para o custo do kart, não misturávamos as coisas. Com isso, ele tinha sempre um kart bastante competitivo.

 Divulgação / FGCom 
Mesmo com os problemas financeiros de sua família, Christian pôde seguir com sua carreira no kart

Depois da fase de piloto e construtor, você passou a ser o manager do Christian. Como era o Wilsinho nessa época? Você foi muito duro com ele?

Fui, mas deu resultado. Eu tinha colocado na cabeça que ia levar o Christian à Fórmula 1. Daí em diante ele ia começar a se virar sozinho. No kart, ele foi campeão paulista e campeão brasileiro. Depois, passou para a Fórmula Ford, onde foi vice-campeão, perdendo o título por um ponto. Na Fórmula 3, foi campeão brasileiro e campeão sulamericano. Na Europa, vice-campeão inglês de Fórmula 3 e campeão da Fórmula 3000. Depois, na Fórmula 1, a carreira dele embalou. Na fase em que eu fui o responsável técnico, desde o kart até a Fórmula 3000, os resultados sempre foram mais do que positivos, sempre com vitórias. Na Fórmula 1, os dois primeiros anos foram na Minardi, como aprendizado, e o terceiro na Footwork, onde ele teve um resultado de regular para bom. E então tivemos que tomar uma decisão para o quarto ano. Fui falar com o Frank Williams e o Ron Dennis, mas eles já estavam de contrato assinado com seus pilotos por mais dois anos e só restavam ao Christian vagas como piloto de testes. Aí pensamos bem e decidimos pela Fórmula Indy. Acho que foi a decisão certa. Na primeira corrida dele em Indianápolis, ele chegou em segundo. O que prejudicou um pouco o Christian na Indy foram dois acidentes violentos.

E tanto na Indy quanto na Fórmula 1, ele te deu uma boa dose de adrenalina. Teve esse acidente na Indy, na Austrália, mas, cinco anos antes, houve o acidente nos treinos do GP da França e, no ano seguinte, levantou voo em Monza. O que passou pela tua cabeça naquele momento?

Ele passou de cabeça para baixo na minha frente. Era a última volta e eu estava no muro dos boxes. Imagine um pai vendo o filho passar à sua frente, de cabeça para baixo, a 320 por hora. Foi um negócio horripilante. Mas ele teve sorte. Geralmente, a velocidade é o fator determinante para um acidente ter consequências muito feias ou não. No caso do Christian, a velocidade foi a favor dele, porque na hora em que o carro decolou, a quantidade de ar que entrou embaixo do carro o lançou a sete ou oito metros de altura. Com isso, ele conseguiu dar um looping completo e caiu em cima das quatro rodas. Isso foi algo positivo. Eu imagino que se ele estivesse a 250 por hora, talvez desse meio looping. E aí, provavelmente, cairia de cabeça para baixo e as coisas seriam terríveis.

Qual foi a tua reação naquela hora?

Eu acompanhei a trajetória toda do looping. Quando ele bateu no chão, foi se arrastando pela pista e recebeu a bandeirada, chegando em oitavo lugar. Foi algo inacreditável. No momento em que ele aterrisou, a sensação foi fantástica, mas enquanto ele estava de cabeça para baixo, eu não sabia onde ia acabar aquilo.

No ano seguinte, teve toda aquela tragédia de Ímola. Depois do que aconteceu, você e a Suzy chegaram a cogitar a ideia de pedir ao Christian para parar com tudo e fazer outra coisa na vida? A cabeça de um pai que já foi piloto é diferente nessas horas?

Nem chegamos a pensar nisso. Nós trocávamos ideias e víamos que a profissão de piloto não era fácil. De uma hora para a outra, você está sujeito a um acidente terrível e as coisas podem ficar feias pro seu lado. Naquele fim de semana miserável que tivemos em Ímola, a gente comentou sobre os acidentes, claro. Precisávamos fazer isso. Mas não se pensou em parar a carreira.

Hoje em dia, seu envolvimento com o automobilismo não é muito forte. E isso já vem acontecendo há alguns anos. Você tomou essa decisão para cuidar de outros negócios, para simplesmente curtir a vida ou isso tem alguma relação com o que aconteceu lá atrás, com a sua equipe na Fórmula 1?

Eu resolvi parar mesmo. Eu estava diretamente ligado ao esporte, mas resolvi parar, em parte, por causa do cansaço. Foram muitos anos envolvido com o automobilismo, então resolvi me dar uma trégua.

Comparando com o Emerson, que está sempre viajando pelo mundo, você tem um estilo mais low profile. Mesmo assim, você ainda mantém contatos ou alguma amizade com ex-pilotos da sua época da Fórmula 1?

Esportivamente falando, são poucos amigos. Você acaba tendo o convívio com as pessoas, mas são poucas amizades. Não dá para fazer muita amizade daquilo ali. E aí você vai conhecendo pessoas diferentes, vai tomando rumos diferentes e assim vai tocando a vida.

Anos mais tarde, você começou a construir lanchas. De onde surgiu essa ideia?

Eu sempre tive barco e aí me deu a vontade de construir um. Criei um projeto muito interessante, um barco de 120 pés, do tipo transatlântico. Fiz dois deles e vendi. Mas aí veio a crise de 2008 e então parei com o estaleiro.

O chefão da Fórmula 1, Bernie Ecclestone
Como você avalia os rumos que a Fórmula 1 tem tomado nos últimos anos? A categoria tem hoje vários cenários: crise financeira, equipe fechando as portas, regulamentos cada vez mais confusos, perda de audiência, perda de público e a gestão do Bernie, que muita gente considera obsoleta. Alguma vez você chegou a parar e pensar sobre isso?

Já pensei, sim. Acho que tem que ser tomada uma decisão forte e o mais rápido possível. Na minha opinião, a Fórmula 1 corre um risco enorme de desaparecer. Acho que essa é a palavra certa. Houve muitas mudanças de regulamento e mudanças muito drásticas. Optaram pelo motor turbo, mas ele não tem barulho. Por incrível que pareça, isso tem uma grande influência na Fórmula 1 e no público. O público já vai preparado para ir à pista e ouvir barulho. Aí passa um carro de Fórmula 1 e você continua conversando com a pessoa ao lado, em voz baixa. A Fórmula 1 tomou um rumo muito técnico e está vendendo pouco espetáculo, enquanto a Nascar se preocupa com o espetáculo primeiro e deixa as soluções técnicas em segundo plano. A Fórmula 1 tem o oposto disso. Acho que isso é um erro gigantesco e que tem que ser resolvido o mais rápido possível ou poderá ocorrer um triste fim.

Quando o Bernie não estiver mais no comando, você acha que existe alguma chance de isso mudar ou o modelo de gestão trazido por ele irá se perpetuar?

Acho que, no dia em que não tiver mais o Bernie lá, a Fórmula 1 terá uma perda terrível. Na sua gestão, independentemente dos percalços, ele se preocupou muito com a transmissão na TV e deixou o público um pouco de lado. Na hora em que a Fórmula 1 perder o Bernie, acho não vai ser fácil achar um substituto, mas é algo que tem que acontecer. Os protagonistas da Fórmula 1 precisam sentar com todas as equipes e pensar em uma mudança drástica agora. A Fórmula 1 precisa voltar a ser um espetáculo para o público, quando tínhamos 26 ou 28 carros no grid. Nós chegamos a ter uma pré-qualificação com 32 carros. Imagine como era complicado e ao mesmo tempo competitivo.

Eu lembro que, em 1989, a temporada chegou a ter 40 carros disputando um lugar no grid.

Exatamente. E este ano, tivemos 16 carros, o que é um desastre. Precisa ter uma mudança drástica e rápida, senão, a situação poderá ficar muito confusa.

Se surgisse a oportunidade de voltar no tempo, você faria tudo de novo? Caso contrário, o que mudaria?

Eu faria de novo. Certeza absoluta. As coisas no mundo são bem diferentes hoje, mas eu faria tudo outra vez.

9 comentários :

  1. Super entrevista, Alexandre!

    Obrigado pela oportunidade de contribuir com perguntas pra essa entrevista.

    Interessante ver como Wilsinho gostava da BT42. A chegada do Gordon na Brabham sanou toda a confusão técnica que a equipe tinha nessa época de transição. Ron Tauranac era um bom projetista, mas era bastante conservador, e não acompanhava mais as novas técnicas. Você sabe o quanto eu admiro o Gordon, sou realmente fã do cara.

    Quando o Márcio Madeira entrevistou o Gordon, ele lembrou de gostar de trabalhar com o Wilsinho (como também com o Pace), e disse que era um pouco difícil a questão do tamanho do Wilsinho pra caber no carro, que era sempre uma desvantagem.

    Uma pena Wilsinho não ter ficado na equipe em 74, que foi o primeiro bom ano competitivo dentro da gestão Bernie. O BT44 de 74 muitas vezes carecia de competitividade, mas quando "encaixava" na pista, era um candidatíssimo a vencer, vide as três vitórias de Reutemann naquele ano (Kyalami, Zeltweg e Glen), e a quase vitória na Argentina.

    No ano seguinte, Reutemann e Pace ganharam uma corrida cada, e a equipe terminou em 2º entre os construtores...

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  2. Oi, Lucas! Lendo agora seu comentário, me ocorreu que eu poderia ter pedido a ele para fazer uma breve análise comparando os trabalhos do Ron Tauranac e do Gordon Murray, as principais diferenças vistas nos carros criados por um e outro etc.

    Quanto a ele não ter ficado na Brabham para dar prosseguimento ao sonho da Copersucar, acredito que não havia outro jeito. Construir carros já era algo que fazia parte do DNA dele, desde os tempos do Fitti-Porsche. Não é à toa que ele se define mais como construtor do que como piloto.

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  3. Oi, Jaime. Eu conheci o Wilsinho em Interlagos também, em uma prova da GT3 em 2008. Ele estava lá à paisana, mas dando toda a atenção para qualquer fã que chegasse pedindo um autógrafo ou uma foto.

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  4. Eu é que agradeço pela ajuda naquele dia, Marcelo. Esse relato dele sobre o que aconteceu em Watkins Glen foi, para mim, um dos pontos mais impactantes de toda a entrevista.

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  5. Parabéns pela entrevista, ficou show!
    Obrigada por me proporcionar a oportunidade de estar presente no momento da entrevista. Ouvir Wilson Fittipaldi Jr narrar o episódio do acidente com Cevert foi o momento mais marcante pra mim. Ele passou em suas palavras a dor de perder um amigo e o que era correr na F1 naquela época.
    E que venham mais entrevistas! :-***

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  6. Eu sabia que você ia curtir o resultado final. Para mim, a parte mais impactante da entrevista foi também esse relato do Wilsinho sobre o acidente com o Cevert e o fato de ter estado com ele minutos antes. O final da entrevista também curti, com ele dizendo que, se voltasse no tempo, faria tudo outra vez.

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  7. Também me chamou a atenção quando ele falou sobre o acidente do filho Christian. Ele narrou o que sentiu como pai naquele momento.

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  8. Lamentável essa notícia.

    Como sou recém-investidor no segmento de leilão judicial de imóvel, coincidentemente constatei na semana passada, verificando uma matrícula de imóvel, de que o imóvel no qual Emerson Fittipaldi mora atualmente irá a leilão em breve.
    Trata-se de um apartamento triplex de 730m2 área útil, na região do bairro do Morumbi, em São Paulo, avaliado em R$ 9 milhões.
    Emerson Fittipaldi alienou o imóvel a um banco e deixou de pagar as suas prestações.
    Somente nesse imóvel a dívida cobrada dele é de R$ 5,9 milhões.
    Aproveitei a minha surpresa para verificar se existiam outras execuções contra ele no Tribunal de Justiça de São Paulo.
    Pasmem, verifiquei que existiam mais de 33 execuções, na maioria de bancos, que somam aproximadamente R$ 30 milhões, incluíndo a do imóvel em que ele mora, agora já retomado pelo banco credor.

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  9. Primeiro, @Paulo Rogerio Gaeta, o que você acabou de ler não é uma notícia, e sim uma entrevista. Existe uma grande diferença entre ambas. Segundo, sobre o que você comentou aqui, alegando que descobriu ou não descobriu sobre o Emerson Fittipaldi, se ele está com imóvel indo a leilão ou não, se isso é verdade ou não, vamos considerar que é um assunto que não interessa a mais ninguém, certo? Não entendi realmente até onde você quer chegar.

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