sábado, 22 de março de 2014

Peter Revson, o lorde americano

Há exatos 40 anos, a Fórmula 1 perdia um de seus mais carismáticos pilotos: o norte-americano Peter Revson. Era uma época em que a Fórmula 1, a meu ver, dividia um pouco de seu charme com os pilotos que levavam a sério o fato de serem ídolos. Bem diferente do que acontece hoje, quando se monta todo um aparato para que o abismo entre pilotos e fãs se torne ainda maior. Outros tempos, infelizmente.

Peter Jeffrey Revlon nasceu em Nova York, em 27 de fevereiro de 1939. Como muitos de seus contemporâneos nas pistas, vinha de uma família rica, dona de um império conhecido em todo o mundo: a marca de cosméticos Revlon. A explicação para que Peter não usasse seu sobrenome verdadeiro é simples: evitar qualquer associação do nome de sua família com o automobilismo.

Revson começou a correr em 1960, disputando algumas corridas no Havaí, ganhando experiência nos mais diversos tipos de carros e categorias: fórmula, Trans-Am, Can-Am e GTs. Um bom começo para quem, aos 21 anos, ainda não tinha total certeza sobre o que iria fazer na vida.

Três anos depois, a coisa ficou mais séria e Peter decidiu levar o automobilismo a sério, mudando-se para a Europa, onde competiu em algumas provas de Fórmula Júnior. A estreia na Fórmula 1 não demorou a surgir e veio em 1964, no GP da Bélgica, com o convite de Reg Parnell para que corresse em sua equipe, Reg Parnell Racing, a bordo de uma Lotus 24 equipada com motor BRM.

Após quatro GPs disputados, resultando em uma desclassificação, dois abandonos e um 13º lugar, Revson desistiu da Fórmula 1 e voltou a correr nos Estados Unidos. Nas pistas americanas, entre as várias categorias que disputou, destaca-se a vitória nas 12 Horas de Sebring, em 1970, onde fez dupla com o ator Steve McQueen, a bordo de um Porsche 908.

Peter Revson a bordo do McLaren M23, na temporada de 1973

Voltou para a Fórmula 1 em 1972, correndo pela McLaren, onde permaneceu até a temporada seguinte, quando obteve suas duas únicas vitórias na categoria, nos GPs da Inglaterra e do Canadá, além de outros bons resultados. Apesar do sucesso na McLaren, as relações com o chefão da equipe na época, Teddy Mayer, não era das melhores. Por conta disso, em 1974, Revson assina com a Shadow.

O Shadow DN3 de Peter Revson. Começo nada animador

A temporada não começou bem para Revson. Na Argentina, abandonou na primeira volta, após colidir com Mike Hailwood logo após a largada e ser atingido por Jean-Pierre Jarier, seu companheiro de equipe. No Brasil, outro abandono, depois de 11 voltas, causado por superaquecimento do motor.

Faltando pouco mais de uma semana para o GP da África do Sul, as equipes já estavam presentes em Kyalami, fazendo testes. No dia 22 de março, após sofrer uma falha na suspensão dianteira, Revson perde o controle de seu Shadow DN3 e acerta em cheio o guard-rail da curva Barbecue Bend e pega fogo.

 
O que sobrou do Shadow DN3 de Peter Revson, morto logo após o acidente

A causa do acidente, segundo relatos da época, foi a quebra de um parafuso de titânio encontrado na suspensão dianteira, não fabricado pela Shadow, mas sim por um fornecedor de Londres. Minutos depois, Revson estava morto. E a Fórmula 1, mais uma vez, perdia seu charme.

sábado, 15 de março de 2014

Entrevista: Philippe Streiff

Imagino que poucas pessoas devem ter se lembrado de um fato ocorrido há exatos 25 anos, e que marcou para sempre a vida do ex-piloto francês Philippe Streiff.

Foi em 1989, no finado circuito de Jacarepaguá, faltando poucos dias do início do campeonato, quando Streiff realizava testes privados de pneus para a pré-temporada, a bordo de seu AGS, assim como vários de seus ex-colegas. Na Curva do Cheirinho, seu carro perdeu o controle de forma inesperada, capotando diversas vezes e passando por cima do guard-rail, chegando muito perto de atropelar um operário que trabalhava no local.

Com o choque, o santantônio partiu e a cabeça de Streiff absorveu todo o peso do chassi, causando-lhe sérias lesões no pescoço e na medula, o que acabou por confiná-lo para sempre a uma cadeira de rodas. Eram outros tempos, quando nem se imaginava a existência de um acessório como o HANS, hoje indispensável em qualquer categoria.

Em 2009, por conta dos 20 anos deste acidente, tive a ideia de entrevistá-lo e conhecer um pouco de sua história e como ficou sua vida depois da Fórmula 1. O resultado dessa troca de e-mails você poderá conferir agora.

Sua carreira foi bem-sucedida em outras categorias antes da Fórmula-1, como a Fórmula Renault, em 1978, e a Fórmula-3 Francesa, onde você foi campeão em 1981. Mas quando surgiu seu interesse pelo automobilismo?

Eu tinha apenas dez anos. Eu era vizinho dos pais do René Arnoux e aí o pai dele vendeu um kart para o meu pai. E foi assim que, mais tarde, conquistei meu primeiro campeonato nessa categoria.

E em que circunstâncias você entrou para a Fórmula-1, quando a Renault apresentou aquele terceiro carro no GP de Portugal, sendo esta sua primeira chance na categoria?

Depois de ganhar o campeonato da Fórmula-3 Francesa, fui correr na Fórmula-2, em 1982, pela única equipe francesa da categoria, a AGS, sendo escolhido entre cinco candidatos para ser o piloto de testes da Renault nos dois anos seguintes. Os outros eram Jean-Louis Schelesser, Philippe Alliot e os irmãos Alain e Michel Ferté.

Em 85, na Austrália, você obteve seu melhor resultado na Fórmula-1, chegando em terceiro lugar, pela Ligier. Muitos se lembram de você quase ter perdido esse pódio após danificar a suspensão dianteira esquerda de seu carro, na tentativa ultrapassar o Laffite na última volta, terminando a prova com apenas três rodas. O que aconteceu entre vocês depois da corrida e qual foi a reação do Guy Ligier? É verdade que você foi demitido depois desse episódio, como foi comentado na época?

Eles não ficaram nem um pouco felizes com o que aconteceu, mas o fato é que eu já tinha assinado um contrato de dois anos com a Tyrrell. Ainda em 85, cheguei disputar o GP da África do Sul pela equipe, substituindo o Stefan Bellof, que havia morrido em Spa-Francorchamps algumas semanas antes, e também porque a Ligier se recusou a participar dessa prova por causa do boicote ao Apartheid.

Mesmo com um pódio garantido, você acha que agiu certo ao se arriscar daquela maneira?

Sim, porque não tínhamos ordens da equipe quanto a isso e Jacques estava ficando sem combustível e dois segundos mais lento do que eu. Ele acabou freando muito cedo no final da reta e, como eu estava muito perto, bati na traseira dele, pelo lado direito, e quebrei minha suspensão. Por sorte, isso não alterou o resultado da corrida.

Em 88, em sua última temporada completa na Fórmula-1, você teve um bom ano na AGS. Como era correr por um time pequeno, considerando o talento que você vinha demonstrando até então?

A AGS era como se fosse minha família. Então, quando a equipe chegou à Fórmula-1, em 1986, com o Ivan Capelli, me deram a chance de voltar a correr com eles nas temporadas de 88 e 89, levando comigo a experiência que adquiri correndo pela Renault.

Em 89, o que aconteceu no momento em que você perdeu o controle do carro e sofreu o acidente, no Rio de Janeiro?

Eu estava testando pneus novos naquele dia. Como a pista de Jacarepaguá era muito ondulada, meus pneus começaram a se deformar, provocando uma quebra na suspensão traseira esquerda do meu carro, que capotou duas vezes sobre o santantônio. Como não tínhamos o HANS naquela época, sofri rupturas no pescoço e na medula. E com o atendimento médico ruim que recebi, fiquei tetraplégico.

Bombeiros retiram o carro acidentado de Streiff do local do acidente, em Jacarepaguá

Quando seu carro ficou de cabeça para baixo, o santantônio foi arrancado do chassi, causando seus ferimentos. Na época, disseram que essa peça estava parafusada ao chassi e não era uma parte integrante dele. Você sabia algo a respeito disso antes do acidente?

Sim. O santantônio estava preso ao chassi por quatro parafusos, como em todos os outros carros naquela época. Mas em 1990, a FIA realizou testes de impacto em todos os carros, com uma pressão de sete toneladas sobre o santantônio, e apenas um carro entre as 14 equipes foi aprovado: o Larrousse do Philippe Alliot.

Vinte anos depois, você ainda é lembrado como um exemplo de determinação e coragem. Mas naquela época, o que passou pela sua cabeça quando você se deu conta de que estava paralítico e que sua carreira estava encerrada?

Não tive problemas com isso. Eu ainda mantenho minha paixão pelo esporte, com os eventos de kart que organizo e as viagens que faço para acompanhar a Fórmula-1 e a Fórmula-2, organizada pelo meu ex-companheiro de equipe na Tyrrell, Jonathan Palmer, e onde sou mentor do único piloto francês da categoria, o Julien Jousse. O mais importante é que tenho sorte por estar vivo, morando em uma linda casa adaptada, junto com meus filhos, Romain e Thibaut, hoje com 30 e 28 anos, respectivamente.

Philippe Streiff e os filhos, Thibaut e Romain

Como foi encarar sua nova condição com sua então esposa, Renée, começando uma batalha diária por você, tendo dois filhos pequenos em casa, sem entender o que estava acontecendo com o pai?

Éramos uma família normal, exceto pelo fato de eu estar em uma cadeira de rodas. O pior mesmo é ficar dependente de um enfermeiro para cuidar das minhas atividades diárias.

Você culpa alguém pelo que aconteceu?

Não, exceto pelo fato de eu não ter sido cuidadoso o suficiente com minha própria segurança na Fórmula-1, principalmente em relação ao santantônio. Mas eu concordei em correr lá, assim como todos os outros pilotos. Acho que todos os pilotos da minha época deviam ter tido essa preocupação, sob quaisquer condições, mesmo durante os treinos livres.

O que o inspirou a criar e organizar o torneio Elf Kart Masters?

A Elf era minha principal parceira na época em que competi com os motores Renault turbo. Como não consegui garantir meu seguro para o resto da vida, eles me ajudaram a me recolocar profissionalmente por meio da minha paixão pelo kart. E aí, em dezembro de 1991, decidimos organizar este campeonato em um grande estádio em Bercy, com a participação de pilotos da Fórmula-1 e cobertura de emissoras de TVs de todo o mundo, mas apenas se um dos pilotos da Williams (patrocinada pela Elf na época) fosse campeão naquele ano. Mas o Mansell não ganhou o campeonato e tivemos que esperar por mais dois anos, em comemoração pelo quarto título do Prost.

Seria a última corrida que ele ia disputar com o Senna, que veio especialmente de São Paulo. Com isso, ele me ajudou a ter um público de 25 mil pessoas e também se divertiu bastante. Fiquei tão feliz por ele ter vindo aqui, especialmente por minha causa, que depois ofereci a ele o kart branco usado na corrida, com a frase Senna, driven to perfection, como uma forma de agradecimento. Lembro dele no começo da temporada de 1994, quando começamos a nos aproximar, por intermédio do Celso Lemos, diretor de licenciamento da marca Senna. Infelizmente, eu também estava lá em Ímola no dia 1º de maio.

Explique como é seu trabalho atual, como conselheiro técnico do Ministério dos Transportes e Segurança Rodoviária, em prol de melhorias das condições de transportes para os portadores de deficiência física?

Cinco anos depois do acidente, abri uma pista de aluguel de kart indoor em Paris e, durante dez anos, organizei o Elf Masters e também o Troféu Jacadi, destinado às crianças. Em 2002, o ex-presidente Jacques Chirac me deu a chance de trabalhar no Ministério da Saúde em prol de uma lei para os deficientes físicos. E desde 2007 tenho trabalhado com o Ministério dos Transportes e Segurança nas Estradas para tentar devolver a mobilidade a pessoas como eu.

Philippe Streiff com os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Jacques Chirac

Eu li uma vez que você ajudou a desenvolver um sistema que permite controlar um carro por meio de joysticks. Os controles manuais para pessoas paraplégicas são muito comuns hoje em dia. Qual é a diferença desse projeto?

No meu carro, dirijo sem precisar de volantes nem pedais. Você pode ver um vídeo com uma explicação sobre isso em meu site oficial.

Qual é a melhor lembrança que você guardou de sua época na Fórmula-1?

Na Austrália, em 1986, quando disputei minha última corrida com um carro turbo. No treino de classificação, os engenheiros da Renault instalaram no meu carro o mesmo motor que eu havia usado no México, duas semanas antes. Estando ao nível do mar, tivemos mais de mil cavalos de potência a 5 bar de pressão do turbo. Assim, quatro pilotos correndo com motor Renault (Senna, Arnoux, Alliot e eu) largaram nas primeiras filas do grid e eu acabei chegando em quinto, depois de andar em terceiro até a última curva, na penúltima volta, quando fiquei sem combustível. E o Prost vencendo o campeonato, ficando também sem combustível. Tivemos muita sorte em pilotar carros tão potentes naquela época.

* Créditos das Fotos: Arquivo pessoal de Philippe Streiff